“Sobre as provas da existência de Deus”, por Giovanni Cavalcoli O.P.

Vitor Gomes
18 min readSep 20, 2020

Este artigo é, em verdade, uma tradução feita por mim de um artigo do teólogo e padre dominicano Giovanni Cavalcoli. Os links de seu blog e do artigo original estão no final deste artigo. *

O que significa provar que Deus existe?

Quando falamos em “provas da existência de Deus”, podemos estar falando duas coisas: demonstrar a alguém que Deus existe ou experienciar certas coisas para que, a partir disso, alguém passe a saber que Deus existe. São Tomás, em sua Summa Theologiae, faz um discurso do primeiro tipo: partindo do pressuposto de que já sabemos o que significa a palavra “Deus”, mas não sabemos se existe ou não existe, ele quer nos dar provas da sua existência e nos convencer através de provas irrefutáveis ​​de que Deus existe.

Ele faz isso com as famosas Cinco Vias, assumindo uma perspectiva realista do conhecimento, mostra que todos nós, a partir da experiência, dos fenômenos do mundo, das coisas e do próprio eu e; aplicando o princípio da razão de ser, de causalidade e participação, não podemos deixar de admitir um primeiro motor imóvel, uma causa eficiente primeira, o ente absolutamente necessário, um ente maximamente ente, um fim último, Ente absoluto e plurivalente que, como diz o Aquinate, “todos nós chamamos de ‘Deus’”.

Uma análise mais aprofundada desta questão levará então Tomás, como é notório, a concluir que neste Ente a essência coincide com o seu ser: Deus est suum esse, de modo que Deus é o ipsum Esse per se subsistens [Ser subsistente por si mesmo].

Há também uma prova psicológica da existência de Deus, é a de Santo Agostinho: a mente, em seu íntimo, descobre a verdade; mas ao mesmo tempo experimenta a sua própria mutabilidade. E, portanto, esta verdade imutável que está nela deve vir de mais alto, de um ponto insuperável: “Et si te mutabilem inveneris, transcende teipsum, et illuc ergo tend ubi ipsum lúmen rações accenditur ”[1].

Também há a prova moral, de Kant: a consciência do dever como obrigação absoluta. Meu dever, a lei moral, é um imperativo categórico o qual não posso transgredir sem ferir minha dignidade. De onde vem essa lei? Não pode vir senão de um sábio e bom — antes de tudo amoroso com o homem — supremo legislador. E este chamamos de Deus [2]

No entanto, não podemos deixar de notar como esta última robusta e nobre prova de Deus não cessa de surpreender os estudiosos de Kant, porque salta como uma estrela que surge no escuro, salta de uma proibição notória feita à razão especulativa de tentar ultrapassar o plano terrestre da física para subir ao céu da metafísica. Portanto, não é uma prova metafísica da existência de Deus. No entanto, a moralidade kantiana evidentemente supõe o transcendental do bonum, que Kant sabiamente configura e expande para o “sumo bem”, Deus, Legislador absoluto da lei moral obrigatória.

Esta prova pode ser conectada com o quinta via de São Tomás. Aqui Tomás fala de uma inteligência divina providente; mas seu discurso pode ser invertido. Em vez de partir do governo divino, pode-se partir da ação humana, que busca o sumo bem. Temos então o princípio da finalidade: “omne agens agit propter finem, et quidem ultimum” [todo agente age em vista de um fim último], ou seja, em vista do sumo bem. E este sumo bem é Deus.

Claro que é necessário excluir um processo infinito na ordenação dos fins, “eu faço isso para isso, isso para isso…” Aqui também, como veremos no retroceder das causas, é necessário que paremos. Mas não no sentido de que não são permitidas sempre novas preferências, mas no sentido de que tudo aquilo que eu faço e não posso fazer não é senão a partir da determinação de uma escolha fundamental, do bem para mim absoluto, no qual tenho que me firmar, bem esse que, para me satisfazer plenamente, não pode ser outro além de Deus.

Alguém não sabe que Deus existe?

Mas é necessário provar a alguém que Deus existe? Pode haver alguém que,
não sabendo que Deus existe, deva ser informado acerca de sua existência para não permanecer na ignorância? É possível que haja alguém que não conhece que Deus existe? Ou que está convicto de que Deus não existe? É possível uma vida sensata sem saber que Deus existe?

Afirmamos que sim, pode-se certamente mostrar a alguém as provas de que Deus existe, mas não para fazê-lo conhecer alguém cuja existência se ignorava, mas para dar por certo a existência d’Ele, cuja existência já era certeza em seu íntimo desde sempre, talvez de forma implícita ou confusa. De fato a Lumen Gentium, do Concílio Vaticano II, fala de forma precisa de um conhecimento não “explícito” (expressa) e, portanto, implícito de Deus (n.16), que pode ser suficiente para a salvação

Que todos os homens sabem que Deus existe e que devemos prestar-lhe contas de nossos atos fica claro a partir do capítulo 25 do evangelho de Mateus, onde Cristo, falando de si, anuncia o futuro Juízo Universal: “E quando o Filho do homem vier em sua glória, e todos os santos anjos com Ele, então se assentará no trono da sua glória; E todas as nações serão reunidas diante d’Ele, e apartará uns dos outros, como o pastor aparta dos bodes as ovelhas

O interessante nessa profecia de nosso Senhor é a concessão celestial de
pessoas que simplesmente realizaram obras de misericórdia para com o
o próximo. Eles evidentemente tinham um relacionamento implícito com Cristo, indiretamente beneficiando-O na pessoa do necessitado. Certamente isso é um conhecimento implícito de Deus, do qual fala o Concílio

Até os ateus sabem que Deus existe. O ateu não nega a existência de Deus porque não sabe que Ele existe, muito menos porque consegue demonstrar que Ele não existe, mas porque ele desvia o olhar de Deus para se voltar para os bens do mundo aos quais dá a sua preferência. Ele não pode deixar de buscar um bem supremo e um fim último. Só que o ateu considera tais não como Deus, mas como os bens do mundo

Certamente pode haver aqueles que creem ser ateus porque rejeitam uma falsa imagem de Deus, que confundem com o verdadeiro. Mas ele também sabe qual é, em qualquer caso, o Deus verdadeiro, ninguém de boa fé pode confundir Deus com uma criatura. Até mesmo na idolatria, imagens e símbolos podem ser, embora imperfeitamente, imagens e símbolos do verdadeiro Deus.

Ao demonstrar a existência de Deus a alguém que supostamente não sabe explicitamente que Deus existe, pensamos ser necessário especificar desde o início o que se entende pela palavra “Deus”; ou seja, precisamos deixar o que queremos provar a existência: quem é aquele que queremos provar a existência? Mas quando, em contrário, chega-se a saber que Deus existe a partir das criaturas, passamos a saber quem é Deus apenas depois de ter descoberto sua existência.

Considerações errôneas sobre as demonstrações da existência de Deus

Um erro denunciado pelo próprio São Tomás é a ideia de que não é necessário prova para a existência de Deus, pois a existência de Deus seria uma verdade imediatamente evidente, quase como se fosse um primeiro princípio da razão. Tomás observa que, enquanto a negação dos primeiros princípios envolve uma contradição imediata, a negação que o ateu faz da existência de Deus não manifesta imediatamente um contradição [3], porque, mesmo que seja verdade que a existência necessária está implícita no conceito de Deus, o ateu se recusa a admitir que tal Deus existe por causa de seu conceito. Ocorre então em termos de mostrar-lhe que existe uma causa primeira (a partir das cinco vias). E ao chegarmos nesse ponto verá ele que a causa primeira deve ser o ipsum Esse.

Para Lutero, a demonstração racional da existência de Deus é impossível e
inútil, dada a corrupção da razão consequente ao pecado original. Cristo,
como Deus, se revela a todos em sua consciência, despertando a fé em nós. Portanto, para Lutero, uma teologia natural é ilusória. A verdadeira teologia é apenas aquela que vem da fé em Cristo. Lutero, negando o caminho para Deus por meio do razão e alegando atravessa-lo apenas na fé, na realidade, privando a fé de seu suporte racional, tira sua credibilidade e a transforma em fanatismo e superstição.

A existência de Deus não se demonstra nem mediante uma explicação da ideia do ser, conhecido intuitivamente e originalmente, sem passar da experiência sensível, como pensavam S. Boaventura [4] e beato Rosmini [5], e nem mesmo conceituando uma experiência original do ser, como acreditavam Bontadini [6] e Rahner [7].

O ente (ens) é certamente o primeiro e mais universal de todos os conceitos, uma vez que qualquer coisa em que pensamos já se pressupõe entidade. E a partir deste conceito nasce imediatamente o nome que designa o verbo ser ou a noção do ser (esse) ou do existir (exsistere) como ato de ser. Mas é aquele primeiro conceito citado, enquanto incluso implicitamente nas noções dos entes sensíveis, que imediatamente cai aos nossos sentidos.

De tal modo, o conhecimento humano, como mostra Tomás, não começa com uma intuição ou experiência ou consciência do ser, mas com a intelecção, extraida dos sentidos, das quidditas rei sensibilis [quididade (ou essência) das coisas sensíveis][8]. Posteriormente, por meio de um processo abstrativo apropriado, a mente pode tornar explícita a noção metafísica e analogia do ens ut ens . Nesse ponto, a mente pode distinguir o ente criado do ente incriado, pode distinguir Deus do mundo e colocar Deus como o criador do mundo.

Do ente sensível o intelecto emerge, por meio de um processo abstrativo apropriado, à noção metafísica do ente enquanto ente. Neste ponto é possível elaborar a prova metafísica da existência de Deus, dividindo o ente de vários modos: ente contingente e ente necessário, ente relativo e ente absoluto, ens ab alio e ens a se, esse per partitionem e esse per essentiam, etc. A noção da causalidade divina pode ser aperfeiçoada. Ao distinguir o ser do devir, a mente percebe que Deus não é apenas a causa do ir e vir das coisas, mas também de seus seres, ou seja, é o criador das coisas.

Quando a razão humana se interroga sobre a origem das coisas, chega a um ponto em que deve-se admitir uma causa primeira, a que chama “Deus”. Posteriormente, pergunta-se qual pode ser a natureza ou a essência dessa causa. E percebe-se que só pode ser o Ente cuja essência coincide com a sua existência, sendo assim, tal ser entra na definição do que é Deus. Assim, Deus não pode ser concebido senão como existente.

Todavia, a razão humana, que parte das coisas sensível e se interroga sobre sua origem uma vez que descobre a existência de Deus, como já vimos, chega a entender que Deus é o ipsum Esse, apenas depois de ter admitido a existência de uma causa primeira, pois é uma causa criadora, ou seja, uma causa do ser, causa das coisas, que só pode ser o Ente cuja essência é seu próprio ser.

Assim, para demonstrar a existência de Deus, é ilógico partir da definição de Deus como Ente máximo ou necessário, pois isto só é conhecido após termos demonstrado que Deus existe. A prova de S. Anselmo é, portanto, um círculo vicioso: é pressuposto desde o início o conhecimento do que deve ser demonstrado. Anselmo confunde a concepção de Deus como necessariamente existente com o juízo de que Deus necessariamente existe. Eu posso conceber a essência de Deus como ipsum Esse somente depois de ter feito o juízo que Ele existe com base nas suas obras: “invisibilia Dei per ea quae facta sunt, intellecta conspiciuntur” (Rm 1,20)

Outra forma errada de demonstração da existência de Deus é a de Schelling [9] e de Hegel [10], que partem do Absoluto como a priori da consciência, para chegar ao relativo, isto é, ao empírico e retornar deste ao Absoluto denominado “Deus”. Mas esse Deus, segundo eles, não é solto, independente e livre do relativo e do mundo, mas é um Absoluto Relativo a Si mesmo, que retorna a Si Mesmo tal como o mundo, para qual o mundo está voltado Deus, mas Deus também é relativo ao mundo. Ora, mas este é um falso Deus, pois é verdade que Deus pode ficar sem o mundo, mas o mundo não pode ficar sem Deus.

A existência de Deus também não é demonstrada começando, como fez Teilhard de Chardin, a partir de uma concepção da evolução cósmica compreendida como “Autotranscendência”, que consiste na elevação e transformação da matéria ao espírito. Teilhard formalmente rejeita a doutrina tomista, que, além disso, é mal compreendida e confundida por ele com o cartesianismo — doutrina aquela que, em sua forma mais autêntica, não é senão a doutrina bíblico-cristã da transcendência e independência do espírito em comparação com a matéria. Segundo Teilhard, o espírito “emerge” da matéria: “Não o Espírito justaposto incompreensivelmente à Matéria (Tomismo segundo Teilhard), mas o Espírito emergente (por operação pan-cósmica) da matéria” [11].

Deve-se proceder com cuidado para saber quem é Deus

Neste ponto, chegamos ao problema do conceito correto de Deus, de um Deus que tenha todos os atributos que Lhe são adequados. Mas esse problema só surge mais depois de ser descoberta a existência de Deus. A questão do an sit precede a questão do quid sit. Um Deus que provém de algo, que é sujeito a mutação ou que sofre, um Deus que não pode existir sem o mundo ou que não pune, um Deus que é imanente ao homem ou é idêntico ao mundo, que é um primum cognitum ou é incognoscível ou não conceituável, um Deus que é um a priori da autoconsciência humana, que não pode ser trinitário ou que não pode encarnar-se, não pode ser o Deus verdadeiro. Um deus do politeísmo não pode ser o verdadeiro Deus. Mas mesmo aqueles que concebem Deus destas formas entram em uma relação com Deus, eles sabem que o Deus verdadeiro existe.

Com efeito, todos podem saber por si mesmo que Deus existe, porque o raciocínio que leva a essa conclusão surge de forma espontânea e irresistível das funções fundamentais da razão. As cinquenta páginas da Crítica da Razão Pura que Kant escreveu para demonstrar que a razão especulativa não pode ter sucesso em provar apoditicamente que Deus existe conduz-nos por um rumo bem tortuoso, pelo qual a limitada razão se confunde consigo mesma e no final desse rumo aparece Kant, para usar sua própria expressão, o “abismo da razão” [12].

No entanto, Kant não pôde refutar esse raciocínio espontâneo e irreprimível, que evidentemente, apesar de tudo, está na base de sua moral, não importa o que o próprio Kant, herdeiro da hostilidade luterana à razão especulativa, diga. Assim, aqui, em face do despertar do voluntarismo luterano, a razão surge vigorosamente deste abismo em qualidade de razão prática, que vê, na lei moral, a expressão da vontade de Deus [13].

A Regressão ao Infinito

Tomás, para reforçar ainda mais suas demonstrações da existência de Deus, por meio das cinco vias, argumenta que na regresso das causas não se pode regredir indefinidamente. Com efeito, “si procedatur in infinitum in causibus efficientibus, non erit prima causa eficiens et sic non erit nec effectus ultimus, nec causae eficientes mediae: quod patet esse falsum. Ergo est necesse put aliquam causam eficientem primam, quam omnes Deum nominant”[14]. Por ora, supõe Tomás, o efeito final está aos nossos olhos, deste modo sabemos que existem causas intermediárias. Donde concluímos que deve haver uma causa primeira.

Agora, deve-se notar que o Aquinate aqui não se refere a um retroceder temporal, mas ontológico, porque admite, em princípio, a possibilidade da existência no passado de um número infinito de causas voltando no tempo; isto é, que o tempo poderia ser infinito no passado e que o mundo sempre poderia ter existido, e esse não seria um motivo para ele perder sua essência de criatura.

Neste mesmo caso, que é o da geração, o gerado subsiste ainda que o gerador ou genitor deixe de existir. Ao contrário do efeito atualmente existente, onde há necessidade, para existir, de uma causa atualmente existente, que a faz existir. E se essa causa for causada, o problema muda, mas não se resolve. Há necessidade, então, de haver uma causa suficiente, que é apenas causa, causa absoluta, e não efeito. Esta é a primeira causa, Deus.

Tomás teria sido mais claro e rigoroso, se, ao explicar por que não ele pode prosseguir para o infinito, não tivesse dito: “si procedatur in infinitum, non erit prima causa eficiens”, pois buscamos justamente provar a existência desta causa primeira que, com efeito, não pode se dar como pressuposta ou já postulada.

Quando a razão se depara com a finitude, transitoriedade e mutabilidade das coisas e do próprio eu, o princípio da causalidade passa a operar, com suas próprias necessidades e inclinações, pelas quais a criança já oprime seus pais com o famoso “Por quê?”. Significa que o que a mente humana sente irresistivelmente a necessidade em seu primeiro despertar não é tanto a de uma causa primeira quanto — ao invés de uma causa suficientemente explicativa e absoluta , isto é, apenas causa, que não se refere a mais nada, que não explica apenas isso ou aquilo, mas toda a realidade — uma explicação total não no sentido de saber de tudo, mas de saber que há uma causa para tudo. Causa suficiente, como havia sugerido Leibniz, isto é, absoluta e incausada. Que essa causa seja primeira ou segunda, por ora a mente não se atenta a isso.

Apenas posteriormente, percebendo que é impossível proceder infinitamente, é que a razão percebe que esta causa absoluta só pode ser uma causa primeira. Ou seja, o retrocesso deve ser finito. A a razão se firma no primeiro Ente e sumo Bem. Aqui se aplica o princípio de Aristóteles, de que “deve-se parar”, ananke stenai. Aqui está o Motor imóvel. O imóvel já implícito no que é móvel

O que significa que a cadeia causal ou os graus de realidade para chegar a Deus são finitos, então, no limite, você pode ficar sem essa cadeia, porque a mente exercida na conceituação metafísica e transcendental, pode muito bem passar diretamente do mundo para Deus, ou seja, dos entes distintos dos seus seres ao Ente idêntico ao seu ser, do ens ab alio ao Ens a se, do ente causado ou criado para o Ente incausado ou incriado, do ser por participação ao Ser por essência, do mutável ao Imutável, do devir ao Ser, do relativo ao Absoluto, do finito ao Infinito. Deus causa, muda, move e finaliza o mundo por meio de uma cadeia causal finita e dos graus da realidade do mundo; mas cria o mundo diretamente sem mediação, retirando-o de nada.

Quem consegue atingir a noção de criação, obtida a partir do fato de que o ente do mundo não tem seu ser por essência, mas o recebe do Ser por essência; é capaz de ascender em grau de forma direta, com um salto infinito, do mundo para Deus, sem necessitar de uma cadeia causal intermediária.

Por que Tomás introduz nas demonstrações da existência de Deus o referimento a regressão indefinida para rejeita-la? Tomás estava, provavelmente, preocupado em refutar aqueles que usam esse pretexto para bloquear ou para dissolver o caminho da razão à Deus, para pará-lo ainda nos entes do mundo, podendo, com o pretexto do progresso infinito do conhecimento, afirmar que esse processo não leva a nenhuma conclusão definitiva e sustentar o agnosticismo ou o ateísmo

Com efeito, a regressão ao infinito coloca uma distância infinita entre o efeito e a causa, distância essa que não pode ser percorrida (infinitum non est pertransire); separa a causa do efeito, de modo que a causa não pode atingir o efeito e vice-versa; quebrando, portanto, a relação que há entre ambos, de modo que a causa não causa e o efeito não tem causa. Anula o princípio da causalidade, que nos leva ao primeiro Motor, assim, a razão fica paralisada ou anda por uma rota circular.

Faço uma observação de que, agora, neste parágrafo, não está em jogo a distância ontológica infinita entre a criatura e o criador, como no parágrafo anterior. Mas sim a distância ou diferença infinita de magnitude entre a criatura e o criador, que se relacionam porque tanto um quanto o Outro estão num mesmo horizonte: o horizonte do ser. É por isso que a ação divina alcança a criatura, mantendo o ser dela, e a criatura chega a Deus pela visão beatífica. Mas a regressão infinita é um raciocínio inconclusivo e sem fundamento, para colocá-lo numa expressão popular, “sem pé nem cabeça”, é um movimento com o qual a razão se autodestrói, é o próprio “Abismo da razão” da memória kantiana.

Padre Giovanni Cavalcoli

Fontanellato 20 de Junho de 2019

Link do blog do Pe. Giovanni Cavalcoli
https://padrecavalcoli.blogspot.com

Link do artigo original
https://padrecavalcoli.blogspot.com/2019/11/sulle-prove-dellesistenza-di-dio.html

Fontes e referências

Deixo claro, antes de tudo, que as citações também foram traduzidas. Caso tenham visto algum erro tanto na tradução das citações quanto na tradução do artigo, sintam-se livres para apontar a mim tais erros.

[1] De vera religione, c.XXXIX

[2] “A lei moral, através do conceito do bem supremo como objeto e finalidade final da razão prática, conduz à religião, isto é, ao conhecimento de todos os deveres como mandamentos divinos ou mandamentos do Sumo Ente, porque dá uma moral ao mesmo tempo perfeita, santa, boa e onipotente, podemos esperar o bem supremo que a lei moral nos dá no dever de colocar como objeto de nossos esforços e, portanto, podemos esperar alcançá lo através de um acordo com essa vontade” Critica della ragion pratica, Editori Laterza, Bari 1979, p.157; “O conceito de moralidade leva por si mesmo à fé em Deus”, Lezioni di etica , Editori Laterza, Bari 1971, p.93; “é impossível nutrir intenções moralmente puras, sem conectá-las ao mesmo tempo com um Ser Supremo, que é o único que pode detectá-las”, ibid., pp. 93–94; “Deve haver um Ser do qual dele provém as leis morais com força e realidade, um Ser que então será santo, amoroso e justo”, ibid., p.95; “Sem a religião, os deveres carecem de motivações. A religião é a condição sob a qual alguém representa a força obrigatória das leis ”, ibid.

[3]Summa Theologiae, I, q.2, a.1

[4] “O ser se destina a si mesmo e não por meio de outrem, dado o momento que o conhecemos ou que sabemos, seja como não ser, ou como ser em potência ou ser em ato. Portanto, se o ser indica o puro ato de ser, segue-se que o ser é o que primeiro se apresenta à nossa mente e é puro ato. Mas este não é um ser particular, que é sempre limitado na medida em que está mesclado com a potência; nem é um ser análogo que não participa do ato precisamente porque não é real. Mas este ser é o Ser divino”, Itinerario della mente in Dio, Edizioni Patron, Bologna 1969, c.V, III, pp.105- 106.

[5] Para Rosmini, a ideia de ser é uma luz intelectual inata, inicialmente vaga e indeterminada, “virtual”, não extraída da experiência, mas infundido na mente por Deus, capaz de uma explicitação e de um aumento infinito. Para demonstrar a existência de Deus, basta aumentar e especificar esta luz ao infinito e o conhecimento de Deus como um Ser infinito é obtido. Na verdade, ele escreve: “Portanto, no ser, há a subsistência infinita necessária, e a possibilidade física da subsistência finita, ou seja, a potência para realizá-la e a potência que o ser possui para subsistir de forma finita. Portanto, no conceito de ser encontramos a demonstração da existência de Deus, como aquilo que é condição indispensável do próprio conceito de ser ”, cit. de C.Fabro, L’enigma Rosmini, Edizioni Scientifiche Italiane, Napoli 1988, p.274.

[6] O fundamento do filosofar, para Bontadini, é o que ele chama de “Unidade da Experiência”, isto é, a experiência sensível-interior do ser como uno e tudo ou, como ele diz, do “todo”. A multiplicidade das coisas surge no horizonte da unidade. E no horizonte da totalidade aparece a existência de Deus, portanto, não se mostra por indução, passando do efeito para a causa, mas do ser às coisas, do vivido ao conceituado, do matemático ao temático, do implícito ao explícito, do imediato ao mediado. Algumas de suas reflexões sobre a Unidade da Experiência: “A experiência é todo ser e fora dele não há nada senão próprio nada”, Studi sull’idealismo, Vita e Pensiero, Milano 1995, p.37; “A construção metafísica deve partir da experiência e precisamente não de qualquer experiência, mas da unidade da Experiência, isto é, a partir do conteúdo da experiência vista em sua completa sistematicidade e completude”, ibid., p.235; “A unidade da experiência é a totalidade das coisas que pensamos, enquanto idealizadas no pensamento concreto, na qual que se resolve a sensação”, ibid., p.59; “O ser validamente e corretamente é simplesmente o ser da experiência, ou seja, é precisamente o ser imediatamente conhecido, diante do qual a consciência filosófica se pergunta se é aquele em que o conhecimento deve se encerrar, isto é, o absoluto ou o fundo do ser. Essa ideia de absoluto ou de fundo do ser ou da totalidade, é o que determina o problema filosófico, sob o aspecto da pura teoreticidade, como um problema teológico “, Conversazioni di metafisica, Vita e pensiero, Milano 1995, pp.40–41.

[7] Cf Karl Rahner. Il Concilio tradito, edizioni Fede&Cultura,Verona 2009, pp.60–66 (Livro de Giovanni Cavalcoli, autor do artigo original)

[8] Summa Theologiae, q. 84, a, 7; q. 85, a. 5

[9]Cf Filosofia della Rivelazione, Edizioni Bompiani,Milano 2002, pp.209, 211, 213, 215, 417, 419; “A autoconsciência, da qual partimos é um ato uno e absoluto”, ibid. Laterza Editori, Bari 1990, p.59; “A autoconsciência é o ato absoluto pelo tudo é ordenado para si”, ibid., p.67; “Nós colocamos um absoluto, causa e efeito de si mesmo — sujeito e objeto — e isso, não sendo isso originalmente possível senão através da autoconsciência, voltamos e o colocamos como uma autoconsciência primeira”, ibid.,p.26

[10] Em Hegel não há prova da existência de Deus a partir da experiência sensível, porque seu ponto de partida é o cogito cartesiano, para o qual o pensamento parte de si mesmo. como uma afirmação do ser absoluto. A diferença com Descartes, como se sabe, é que o ser Hegeliano não é estático, mas em um devir dialético da oposição afirmação-negação. A afirmação filosófica do Absoluto como Deus corresponde à afirmação religiosa do absoluto. Enciclopedia delle scienze filosofiche in compendio, Editori Laterza, Bari 1963, §86, p.91; §87, p.92; §88, p.93; §112, p.111; §115, p.114. Hegel acolhe com boas-vindas a prova de Santo Anselmo: Ele a resume nesta frase lapidária: “Deus existe para o seu conceito”, Lições sobre a filosofia da religião, Editrice Zanichelli, Bologna, 1974, vol. II, p.252; “Anselmo formula esta prova simplesmente assim: Deus deve ser perfeitíssimo; se Deus é apenas uma representação, Ele não é perfeitíssimo, pois acreditamos ser perfeito aquilo que não é apenas representação, mas também aquilo que pertence ao ser. E isto está certíssimo”, ibid., p.255.

[11] Cit. de Dom Georges Frénaud, Il pensiero filosofico e teologico del padre Teilhard de Chardin, in G.Frénaud, L.Jugnet, Th.Calmel, Gli errori di Teilhard de Chardin, Edizioni Dell’Albero, Torino 1963, pp.31–32: “Concretamente não existe matéria e espírito; mas só há Matéria da qual emerge o espírito”, ibid., p.32. É é claro que este “Deus”, que emerge de tal demonstração, é um falso Deus, é um misto de matéria e espírito.

[12] Critica della ragion pura, Edizioni Laterza, Bari 1965, p.491.

[13] Critica della ragion pratica, Edizioni Laterza, Bari 1979, pp.102, 159; La religione entro i limiti della sola ragione, Edizioni Laterza, Bari 1985, p.6

[14] Summa Theologiae, I, q.2, a.3.

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